
Para um cristão
nascido de novo, é salutar estar numa igreja local, é bíblico que os crentes
congreguem e tenham comunhão com outros irmãos. A igreja foi criada por Deus e
sua existência não é algo restrito ao Novo Testamento, mas, no Antigo
Testamento já vemos a igreja presente com o povo de Israel. No entanto o que
estamos nos propondo a refletir neste texto é se basta estar simplesmente numa
igreja, isto é, qualquer igreja.
Há “ditos populares antigos” que defendem um ecumenismo evangelical que dizem,
“temos o mesmo Deus”, “o que importa é que cremos em Deus”, “nossas diferenças
são insignificantes”, “Deus é o Deus de todos”, “a letra mata”, “o mais
importante é o amor”, “no céu não terá teologia”. Claro que tais afirmações têm
algum fundo de verdade, mas, não podemos dizer hoje ao evangelizarmos alguém,
que este procure uma igreja perto da sua casa. A igreja próxima da casa dessa
pessoa pode provavelmente ser uma igreja herética ou uma seita, então,
estaremos contribuindo negativamente para vida dessa pessoa. Até mesmo ao
dizermos procure uma igreja que ensine a Bíblia, muitas igrejas heréticas
ensinam a Bíblia, de forma distorcida, mas, ensinam. O que nos resta nesses
dias é uma delimitação do que é igreja: o que é uma igreja saudável? O que é uma
igreja bíblica? O que é uma igreja verdadeira?
Diante desse problema, temos outro problema comum, pelo menos em minha
realidade e na região do país onde moro – há escassez de igrejas bíblicas,
reformadas, não somente na teologia, mas no culto, na evangelização e missões.
Estamos vivendo uma efervescência da teologia reformada no país, algo que
considero bom, porque ao olharmos a história da reforma protestante, vemos que
a popularidade da reforma e a propagação de sua mensagem deram-se em grande
parte pela imprensa, que era o meio tecnológico que Deus proveu para sua igreja
naquela época. Hoje temos uma popularização da teologia reformada por meio das
redes sociais, vídeos, cursos online, livros digitais, etc. É possível fazer um
curso teológico com bons professores pela internet, o que em outros tempos
somente era possível se houvesse um deslocamento geográfico. No entanto nossa
problemática aumenta, e chegamos à pergunta de nosso título. Conheci as
doutrinas da graça, mas, estou numa igreja herética: o que devo fazer? A
questão não é fácil por alguns motivos que quero listar:
a) O que você
entende por igreja herética?
b) Você conhece de
forma consistente o que sua igreja professa doutrinariamente?
c) Você já conversou
com seu pastor sobre as supostas heresias?
d) Você está sendo
movido a sair da igreja por vaidade ou por certeza que os ensinos ali pregados
estão distantes da sã doutrina?
Já tive o desprazer de ver uma igreja histórica
aderir aos ensinos heréticos do neopentecostalismo. Já tive o desprazer de ver
um seminário anteriormente professante da fé reformada aderir o ecumenismo
religioso e ao liberalismo teológico. O fato não está longe de nós, ao
contrário. Vamos então aos questionamentos supracitados.
O que é uma igreja herética?
Comecemos pelas bases. Uma igreja cristã deve crer na Bíblia como sendo a
Palavra de Deus, infalível e inerrante. O posicionamento da igreja sobre a
Bíblia é à base de tudo na teologia dessa comunidade local. A Bíblia não
somente contém a Palavra de Deus, ela é a Palavra de Deus. A Bíblia
interpreta-se, a Bíblia não está abaixo da autoridade humana ou eclesiástica, a
Bíblia não é serva da igreja, mas a igreja deve seguir os ensinos da Bíblia. A
Bíblia é um todo completo, ela não precisa de complemento de revelações,
profecias, sonhos, visões, ou nela ser anexado algum outro tipo de literatura
arrogando a mesma autoridade, a reforma professou Sola Scriptura
(Somente a Escritura) e Tota Scriptura (Toda a Escritura). A Bíblia é o
guia da verdadeira igreja de Cristo. Se uma igreja põe em xeque essas questões
ela é de fato uma igreja herética.
Outro fator que devemos mensurar numa igreja herética é o que ela professa
sobre Cristo. Qual é o papel de Cristo nessa igreja? A grande questão muitas
vezes não é a que está na confissão doutrinária da igreja, mas, o que na
prática ela crê sobre Cristo. Cristo é o criador (Cl 1.13-23; Jo 1.1-3), é o
logos (Jo 1.1), a imagem exata de Deus (Hb 1.3), Cristo é Deus (Jo 20.28),
Cristo é Suficiente para sua igreja (Cl 2; Fl 2). Cristo é o único mediador
entre Deus e os homens, Cristo ressuscitou em carne (Lc 24.39). Importante
considerar o que a igreja diz sobre a Trindade, nosso Deus é um Deus triúno e
isso é expresso em vários textos das Escrituras (Gn 1.26-28; Mt 3.13-17; Ef
5.18-21; Jo 14.5). Considere também qual é o parecer sobre a igreja e seu
papel, a igreja não é a porta para a salvação, mas, antes, a congregação dos
primogênitos, a igreja não salva, mas os salvos estão na igreja. O papel dos
líderes é guiar o rebanho com amor e não com domínio sobre a herança de Deus (1
Pe 5.1-3), a finalidade da igreja é glorificar a Deus e não explorar
financeiramente os fiéis, a igreja não é um mercado de bênçãos, a igreja não é
uma loja de câmbio, igreja não é um ringue de briga entre anjos e demônios.
Igrejas que enfatizam mais a obra de Satanás do que de Deus tem algo errado,
igrejas que invocam os demônios em seus cultos para “libertação” de almas,
estão distantes das Escrituras, o culto foi feito para adoração a Deus e não
para o demônio aparecer. Desconfie de igrejas que não possuem rol de membros,
nessas, o fluxo de pessoas é interminável, não há cuidado pastoral, só
campanhas, ofertas e uma quantidade interminável de pedidos de somas de dinheiro,
cuidado!
Você conhece de forma consistente o que sua igreja professa
doutrinariamente?
Procure conhecer o que sua igreja professa doutrinariamente, se estivermos
falando de igrejas históricas, provavelmente você irá se surpreender e verá que
igrejas Batistas, Anglicanas, Congregacionais, Presbiterianas e outras dessas
derivadas tem raízes na teologia reformada calvinista. No entanto, antes de
qualquer coisa observe os documentos históricos a respeito da doutrina de sua
igreja, muitas vezes uma igreja que está dentro de uma denominação, apostata da
confissão doutrinária e adere a heresias, infelizmente isso é muito comum e são
raras as denominações que escapam disso.
Você já conversou com seu pastor sobre as supostas heresias?
Converse com o pastor da igreja, saiba da boca dele o que ele crê. Observe se
ele possui um posicionamento legalista em relação a igreja, tipo: Deus está
nessa igreja e tem abençoado meu ministério – nesses casos uma das marcas em
falsos profetas é a arrogância e uma posição de “super” pregador.
Observando sua pregação e ensino muita coisa pode ser deduzida com eficácia,
mas, tenha se possível uma conversa particular, haja eticamente, não saia
falando mal de todo mundo e metralhando como hereges, seja piedoso e humilde,
no entanto, quando necessário seja firme e diga a verdade. Há inúmeros casos de
lideres que absorveram ensinos heréticos que são pessoas sinceras e acham que
estão seguindo a verdade, muitas vezes precisam ser alertados a arrependerem-se
e retornarem a sã doutrina. Há muitos casos de obreiros que tiveram um
treinamento teológico fraco e são levados por muitos ventos de doutrina. Em
outros casos uma evidência de uma igreja herética começa na liderança, uma
liderança monárquica, centralizadora, legalista e avarenta são fortes indícios
de uma igreja herética.
Você está sendo movido a sair da igreja por vaidade ou por certeza que os
ensinos ali pregados estão distantes da sã doutrina?
Minha preocupação ao pontuar esse caso é que para muitos ser reformado virou moda,
é algo que está em alta. Está existindo uma aderência à teologia reformada por
muitos pentecostais e evangélicos de denominações arminianas, mas muitos deles
só professam teoricamente as doutrinas da graça, querendo justificar uma vida
sem comprometimento com Deus, com a Palavra, com a Igreja, com a santificação,
com a oração. Um crescimento do hipercalvinismo tem causado muitos problemas na
vida de muita gente. Portanto, se sua postura é puramente baseada na vaidade de
ser reformado, suas intensões são erradas.
O que devo fazer?
Bom, o fato é se depois de tudo isso realmente a igreja apostatou, se nela não
há disciplina, se o homem é colocado no centro como soberano, se a Palavra de
Deus não é ensinada fielmente, se a pregação não é algo sério e pautada somente
na Escritura, então algo deve ser feito, uma atitude deve ser tomada, afinal,
tal igreja está indo contra a vontade de Deus e estar numa igreja assim é por
demais ofensivo a um crente fiel a Escritura.
Deus não quer que seus servos estejam embebidos de heresias, que seu povo
esteja no erro. Há inúmeros exemplos nas Escrituras, leia as cartas às igrejas
da Ásia Menor no Apocalipse.
No entanto, chegamos num ponto nefrálgico. Muitas vezes a pessoa que descobriu
a verdade da Escritura tem inúmeros motivos para ficar naquela igreja. No caso
de pastores muitas vezes é o sustento e prestígio, em outros casos são laços
fraternos, laços familiares, o temor de exclusão de muitos círculos de amizade
e até da família. Na verdade nesse tipo de igreja a verdade sempre é negociada,
a verdade de Deus é colocada em segundo plano, lembro-me de uma frase de Lutero
que muito me foi útil: “A paz se possível, a verdade a todo custo”.
Jesus disse que traria espada, divisão, e a verdade de Deus promove divisão. Um
dia uma pessoa que estava em uma igreja assim me disse, temo causar divisão.
Considero válida a preocupação, mas, quem divide é quem está errado e não quem
está certo. Os puritanos não queriam sair de dentro da igreja Anglicana,
queriam uma reforma interna. Isso não foi possível e então eles tiveram que
sair e assim foi à vontade de Deus.
Outro temor de pessoas que desejam deixar tais igrejas é se serão bem recebidas
em outro lugar. É importante dizermos aqui que Deus tem seu povo, e o povo de
Deus não está restrito a uma congregação, Deus cuida de nós e nos guia como tem
guiado seu povo em toda a história. Mesmo que estejamos num deserto e as
decisões sejam difíceis temos a promessa de que o Espírito nos guia em toda a
verdade (Jo 16.13). Não negocie a verdade de Deus, ainda que seja necessário
perder amigos, relacionamentos, posição de liderança, prefira a vontade de Deus
e sua verdade. A reforma protestante zelou pela verdade, mesmo que ela fosse
preferível à unidade. A unidade do povo de Deus deve estar pautada na verdade
do Evangelho e não na mentira, pois, o pai da mentira é outro (Jo 8.44).
Procure uma igreja biblicamente saudável, não insista em permanecer em uma
igreja herética, isso não irá lhe fazer bem. Quando converso com pessoas que
estão nessa situação pergunto por que não saíram ainda dessas igrejas; a
resposta não me surpreende mais: “Temos muitos amigos lá, nosso convívio
social está lá, temos parentes, tememos o que pode acontecer com esses
relacionamentos se sairmos...” Claro que não podemos tratar isso de forma
simplista, inegavelmente há impactos nesse processo. Mas, a nossa fidelidade ao
que Deus diz deve ser maior que nossos relacionamentos, veja o que Jesus
ensinou:
“Quem ama o pai
ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha
mais do que a mim não é digno de mim. E quem não toma a sua cruz, e não segue
após mim, não é digno de mim. Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a
sua vida, por amor de mim, achá-la-á. ” - Mt 10. 37-39
Obviamente muitos casos devem ter acompanhamento
pastoral e aconselhamento. Muitos casos são traumáticos e com isso ocorre
também a decepção de muita gente com a igreja e cresce o número dos sem igreja
ou de igrejas domésticas. Não temos espaço para tratar disso agora, mas, existem
bons livros escritos sobre tais assuntos.
Quero concluir dizendo que a igreja foi criada por Deus, as portas do inferno
não prevalecem contra ela, Cristo ama sua igreja e devemos amá-la também. A
igreja está fundamentada em Cristo e Cristo é a verdade (Jo 14.6). Lembre que a
verdade e a vida são ligadas ao caminho. Jesus alimenta e cuida da igreja (Ef
5.29). Procure uma igreja bíblica, confessional, em que a Palavra seja
genuinamente pregada e ensinada.